No Ceará, avanços no acolhimento de crianças vítimas de violência sexual

Em Fortaleza, a Justiça vem adotando ações especializadas que possibilitam a crianças e jovens, vítimas de violência e abuso sexual, denunciar os crimes sofridos, processar os autores de violência e receber tratamento psicológico adequado. Na cidade, onde tramitam cerca de 2 mil processos de violência sexual contra crianças, parcerias envolvendo a prefeitura de Fortaleza e o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) já permitiram que crianças recebessem orientações desde o momento da denúncia, ainda na delegacia, até o acompanhamento e tratamento das sequelas desse tipo de crime. O atendimento multidisciplinar e integral às vítimas de violência está de acordo com o que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) orienta os tribunais, por meio da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica, instituída este ano pela Portaria n. 15/2017. Para viabilizar essas ações, estão previstas parcerias com entidades governamentais e não governamentais em áreas como segurança, assistência social e educação. Quando denúncias de crianças e adolescentes chegam à delegacia especializada no Combate à Exploração da Criança e do Adolescente de Fortaleza as vítimas já recebem orientações para fazerem o Boletim de Ocorrência (B.O), necessário para a devida responsabilização do autor. Após a formalização da denúncia, elas são encaminhadas para um serviço especializado, de orientação psicológica, para aprenderem a lidar com os traumas e sequelas da violência sofrida. Os pais também podem participar do trabalho de orientação. Orientação e acompanhamento A parceria também prevê atendimento na chegada do processo ao Judiciário e, no caso de Fortaleza, os casos são encaminhados diretamente para a vara criminal especializada nos crimes sexuais contra crianças. Todo processo envolvendo crime sexual contra menor de 18 anos é encaminhado para lá. Diariamente, cerca de três vítimas são ouvidas, na 12ª vara. Na audiência, além do juiz, participam, o autor, advogados, promotor, uma psicóloga e um assistente social. Os profissionais fazem parte do projeto Rede Aquarela, que completou, em 2017, 10 anos de atenção às crianças nessas situações. Uma equipe de psicólogos, assistentes, advogados e pedagogos acompanha as vítimas nos depoimentos (tanto na delegacia, como no juizado), promovem orientações em grupos, e também trabalham a prevenção da violência, levando a temática para persos públicos, como escolas, associações e redes comunitárias. Nos demais municípios cearenses, as crianças vítimas somente têm acesso aos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), administrados pelo município, que não atendem apenas violência sexual infantil, mas todo tipo de violação de direitos. Para a psicóloga assistente da 12ª Vara Criminal, Rochelli Lopes Trigueiro, as vantagens da especialização dos profissionais e dos programas estão não só no atendimento que, por ser mais sensível às vítimas, permite que os fatos traumáticos sejam melhor revelados, como na celeridade processual. “A criança se sente mais protegida e à vontade; consegue se expressar melhor e colabora mais trazendo as informações necessárias. Não podemos esquecer que são crimes que carregam uma carga emocional muito pesada. Na grande maioria dos casos, eu diria ao menos 80% delas, o autor é de dentro da família. Elas sofrem pressão. Além da vergonha, há o medo de denunciar uma pessoa conhecida. Não são casos simples. Quanto mais capacitação tivermos melhor Justiça estaremos disponibilizando. Sem contar que o processo se resolve de maneira mais eficiente”, diz a psicóloga Rochelli. Este ano o TJCE implantou a sala de depoimento especial, para que sejam utilizadas técnicas humanizadas nas oitivas dos menores vítimas. Recomendada desde 2010, pelo CNJ, a medida passou a ser obrigatória com a Lei n. 13.431/2017, que estabeleceu prazo de um ano para a adoção por todos os tribunais. Especialização Enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes exige programas e ações especializados que possibilitem a responsabilização do autor da violência, e a restituição dos direitos da vítima e sua proteção. A especialização dos profissionais e dos serviços, no entanto, ainda encontra barreiras técnicas, orçamentárias e principalmente culturais. “Para que esses serviços se espalhem por todo o país, precisamos sensibilizar os juízes para a importância dos atendimentos integrais. Ele precisa, não só, ver a vítima como um jovem que merece superar o trauma para seguir adiante, mas olhar para seus pais também. Não se consegue olhar para a criança com um olhar protetivo se não olharmos para o entorno dela”, diz, em Brasília, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Alexandre Takaschima. A afirmação do magistrado ganha reforço. Para Hamikelly Brito Meneses, advogada, coordenadora da Rede Aquarela há três anos, é fundamental que além das crianças, a família também receba acompanhamento psicossocial. “Para que a criança supere os traumas”, diz, “é fundamental que as demandas dessa família sejam percebidas. Que eles também possam receber esclarecimentos, orientação. Há famílias, por exemplo, que não aceitam que seu filho siga uma orientação sexual diferente da que lhe é imposta. E reagem com tanta agressividade que o filho chega a pensar, ou mesmo tentar, em suicídio”. Regina Bandeira Agência CNJ de Notícias
23/10/2017 (00:00)
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